sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Fim de Tarde


Em meio ao campo de flores, deitada olhando para o céu, estava a pequena dos olhos mais brilhantes que as estrelas. Porém naquele momento as luzes refletidas em seu olhar não eram aquelas que sempre encantavam quem a via... O azul se destacava ainda mais em meio ao vermelho. Os velhos olhos vermelhos tinham voltado. Parecia que fazia um século que ela não deixava as gotas salgadas molharem a sua pele rosada e matar sua sede. Mas agora era como se nunca tivesse ficado um segundo sem sentir aquele gosto amargo. Em meio aos pensamentos cheios de caos não percebeu que alguém se aproximava, nem ouviu o belo rapaz de cabelo bagunçado chamando-a. Só voltou a realidade quando ele, preocupado, passou a mão na frente dos olhos dela.

-Me deixa em paz...
-Em paz te garanto que já não está...

-Estou sim...
- Esses olhos inchados, vermelhos e essa cara toda bagunçada não me parecem algo que poderia chamar de paz.

- Mas essa é a minha paz... Só a encontro em meio ao meu caos interno, quando os olhos refletem toda a imensidão que existe na minha alma. Quando as ondas desse mar inquieto que existe aqui dentro transbordam através dos meus olhos....

- Você está ficando louca!

- Não estou não, como uma pessoa pode ficar louca se ela nasceu assim?

Ele sorriu e deu uma gargalhada irônica.

-Você sabe muito bem minha menina, que você nunca foi louca, pelo contrário é uma das pessoas mais sãs que eu conheço... Mas por algum motivo que você não me conta, que não compartilha com mais ninguém se entregou a esse estado insano. Onde todos seus sentimentos comandam cada respirar seu. E que tenho que admitir é um jeito muito torto e errado de se mostrar ao mundo... Essa não é você.

-E quem é você pra dizer se essa sou eu ou não?

-E...
-Não se atreva a dizer mais nada!

Ela falou cortando qualquer tentativa de argumento do pobre rapaz. Então os dois ficaram por algum tempo em um silêncio tão profundo que seria possível ouvir as asas das borboletas que passavam por aquele campo. Os olhos inquietos dele olhavam para os olhos vermelhos dela, não resistindo a cena deprimente a mão dele encontrou a dela. A mocinha irritada não tirou a mão, mas com aquele olhar que seria capaz de matar um exército o repreendeu.

-Não me olhe assim... Só quero o seu bem.

-Você não sabe o que é melhor para mim... Por isso não venha com esse argumento tão superficial de que quer o meu bem... O que seria o meu bem?

-Deixar que as pessoas se aproximem de você e parar de querer se fazer de fortona, de quem não tem sentimentos, de se esconder de todos quando na verdade precisa mesmo é de alguém que lhe conforte.

-Eu não quero me fazer de forte, até porque tenho plena consciência de que jamais seria forte. E antes que você diga qualquer coisa, você mais do que ninguém deveria saber que eu não sou essas “princesinhas” que você está acostumado a ter por perto. Eu tenho plena ideia da realidade que me rodeia. Sou totalmente errada, sou torta, não sou delicada, não sei lidar com muitas situações, não sei agir em diversas circunstancias, nãos sou de falar ou mostrar meus sentimentos, gosto de guardar certas coisas em minha cabeça, sou solitária daquelas que gostam da solidão, sou uma ogra quanto se trata de me relacionar com as pessoas a minha volta, sou grossa, não sei demonstrar o quanto me importo ou gosto das pessoas. Sou quebrada, minhas feridas estão tão abertas que ainda sangram como se tivessem acabado de acontecer. E sei mais do que tudo que não nasci pra viver um desses contos de fadas, onde a princesa encontra um príncipe, se apaixona e depois se casam e vão viver felizes para sempre.

-Me dê uma chance de cuidar dessas feridas, eu poderia fechar elas, poderia lhe ensinar que há beleza no torto, errado... Poderia aprender contigo como colocar esses sentimentos pra fora, ajudaria quando você não conseguisse mostrar que se importa, estaria ao seu lado, mesmo que você continuasse com essa ideia de ser ogra e tudo mais. O mais importante de tudo é que te aceitaria assim como é ou se você tentasse mudar, ou mudasse... Porque eu quero a chance de poder amar você, de ter você ao meu lado, não importa como nem quando. Eu só quero ter a chance de lhe fazer feliz.

-Tudo isso é impossível, eu não posso amar. Desaprendi o que é isso quando fiquei louca, quando me perdi... E outra eu jamais conseguiria retribuir isso tudo. Não quero lhe ferir, não quero ser a responsável por lhe destruir.

-Vai dizer que nunca amou ou tentou amar?

-Já amei sim... E foi ai que enlouqueci. Porque como falei, sou errada, sou torta. No linguajar do povo poderia dizer que meus sentimentos são iguais a mulher de bandido, que gosta de apanhar. Porque quanto mais impossível, mais errado, maltratado, maltratado e tudo mais de ruim que uma relação pode fazer com uma pessoa, mais eu me entregava e me apaixonava. É por isso que falo que perdi a capacidade de sentir amor quando enlouqueci, porque sei que nenhum outro relacionamento vai ser capaz de me torturar tanto a ponto de eu lutar mais do que consigo para fazer funcionar. E não vale a pena eu estragar alguém por conta das minhas próprias feridas

-Mas eu cuido de você...

Ela olhou naqueles olhos verdes, as lágrimas ainda molhavam e salgavam a boca dela, porém as palavras que dali sairão pareciam tão duras quanto uma pedra.

-Você diz agora que vai cuidar de mim... Ai você cansa e esquece de cuidar, e as feridas vão abrir ainda mais. Porque sempre é assim, eu cuido das pessoas, mas ninguém cuida de mim. Ninguém consegue aturar esse meu estado “no fundo do poço” por muito tempo. Ninguém suporta essa minha loucura... É algo que cansa rápido, eu deixo de ser a menina espontânea e feliz rápido de mais, tão rápido que você nem vai perceber que tudo isso que você diz querer se torna o que não quer nunca mais. Por isso não faça isso, não tente, não prometa... E me deixe em paz... Deixa que eu cuido de tudo isso sozinha, sou melhor assim, gosto dessa solidão inebriante.

A pequena levantava com uma flor na mão e foi embora, sem nem dizer adeus ou até logo. Porque ela não gostava de despedidas, elas costumavam lhe ferir ainda mais o coração.


Os olhos verdes daquele rapaz de cabelos bagunçados apenas olhavam de longe enquanto aquela que amava dava pequenos passos e se afastava... Enquanto seu coração e mente brigavam para saber se ele deveria ou não ir atrás dela, lhe puxar pelo braço e dizer que ele não era como os outros.


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